sexta-feira, 29 de julho de 2011

Velha Infância

Foi a sensação mais doce que eu pude sentir nos últimos muitos anos. Foi como se não pudesse ter sido diferente; e com a naturalidade daquilo de que se tem certeza, eu me vi completar em mim o espaço que há tanto vem me atormentando por ser completado. E eu que pensei que fosse ser tão mais difícil - e pensando bem, seria se a tal última peça não se encaixasse tão perfeitamente no espaço à ela reservado. Eu me sentia tão seguro, que tinha a certeza de que nada que viesse a acontecer conseguiria desprender aquela peça do seu lugar e eu ficaria ali: completo e feliz.


E assim estive até me dar conta de que não estava tudo tão bem assim. Me sentia tão seguro que só consegui perceber que ela, a minha peça, não estava mais ali quando olhei para os lados e não encontrei mais o alvo do meu sorriso. Só pude perceber que eu havia perdido a minha tão preciosa peça quando eu tentava senti-la e tudo o que eu conseguia ter eram suas lembranças. Desde então eu me pego pensando - seja acordado, seja dormindo - em por onde andará o motivo da minha plenitude. Onde andará que não recebe o meu calor? Que não recebe meu carinho nem minha atenção? Onde andará que não recebe o meu amor? 


Tenho vivido, pois, assim: na esperança de um dia poder reencontrá-la e tê-la  unicamente para completar-me. Ate lá me desmancho às suas lembranças e à sua voz no telefone. E isso continua sendo a sensação mais doce que eu pude sentir nos últimos muitos anos.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Vai passar.

Fazia algum tempo desde a vez que a vi passar por aquela rua. Frienta, retraída em seus braços finos, com um casaco que não cobria nada. Ela me olhou e me reconheceu de outros olhares, de outros encontros por esta mesma rua. Não falei nada, como de costume, mas percebi que ela tinha um olhar vazio, como se dissesse “Vêm, me proteja, agora. Por favor...”
Reparei no seu corpo esguio, no seu caminhar latente, nas suas bochechas róseas devido ao frio. Quase pude sentir a dor que a roia por dentro que lhe rasgava as entranhas. Até me arrepiei. E ela continuou caminhando, de cabeça erguida, como se isso pudesse lhe salvar, diminuir o que estava sentindo.
Deu vontade de pará-la, de acomodá-la em meu peito, entre meus braços e dizer que tudo iria ficar bem que agora eu a protegeria, aqueceria. Mas não o fiz. Deixei-a ir como se não me afetasse, como se me bastasse toda essa distância pequena que existia entre nós. Como se este sentimento sem palavras que foi crescendo em meu peito fosse impuro diante daquela beleza e fragilidade exorbitantes.

Alguém a salvaria quando sua própria dor não o cegasse diante da dor dos outros.